Cultura em alemão pode se referir ao estritamente
popular ou às manifestações artísticas mais relevantes da humanidade. No
entanto, seu sentido original (agricultura) permanece em muitas línguas
Cultura (do latim colere, que significa cultivar) é um
conceito de várias acepções, sendo a mais corrente a definição genérica
formulada por Edward B. Tylor,
segundo a qual cultura é “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as
crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e
capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.1 Em Roma, na língua latina, seu
antepassado etimológico tinha o sentido de “agricultura” (significado que a palavra mantém
ainda hoje em determinados contextos), como empregado por Varrão, por exemplo.2 Cultura é também associada, comumente, a
altas formas de manifestação artística e/ou técnica da humanidade, como a
música erudita europeia (o termo alemão “Kultur” – cultura – se aproxima mais
desta definição).3 Definições de cultura foram realizadas
por Ralph Linton, Leslie White, Clifford Geertz, Franz Boas, Malinowski e outros cientistas
sociais. Em um estudo aprofundado, Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn encontraram
pelo menos 167 definições diferentes para o termo cultura.4
Por ter sido fortemente associada ao conceito de civilização no século XVIII, a cultura muitas
vezes se confunde com noções de: desenvolvimento, educação, bons costumes,
etiqueta e comportamentos de elite. Essa confusão entre cultura e civilização
foi comum, sobretudo, na França e na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, onde
cultura se referia a um ideal de elite.3 Ela possibilitou o surgimento da dicotomia (e, eventualmente, hierarquização) entre
“cultura erudita” e “cultura popular”, melhor representada nos textos de
Matthew Arnold, ainda fortemente presente no imaginário das sociedades
ocidentais.5
Principais conceitos
Diversos sentidos da palavra
variam consoante a aplicação em determinado ramo do conhecimento humano.
- Agricultura –
acepção original do termo cultura, que se refere ao cultivo da terra para
produção de espécies vegetais úteis ao consumo do homem.2
- Ciências sociais
- Do ponto de vista das ciências sociais (isto é, da sociologia e da
antropologia), sobretudo conforme a formulação de Tylor, a cultura é um
conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais artificiais
(isto é, não naturais ou biológicos) aprendidos de geração em geração por
meio da vida em sociedade.6 Essa definição geral pode sofrer
mudanças de acordo com a perspectiva teórica do sociólogo ou antropólogo
em questão. De acordo com Ralph
Linton, “como termo geral, cultura significa a herança social e
total da Humanidade; como termo específico, uma cultura significa
determinada variante da herança social. Assim, cultura, como um todo,
compõe-se de grande número de culturas, cada uma das quais é
característica de um certo grupo de indivíduos”7 Enquanto a definição de Tylor é
muito genérica, podendo causar confusão quando se propõe uma reflexão mais
aprofundada do que é cultura, outras definições são mais restritivas. Os
autores debatem se o termo se refere mais corretamente a ideias (Boas,
Malinowski, Linton), comportamentos (Kroeber) ou simbolização de
comportamento, incluindo a cultura material (L. White).8 Vale lembrar que, em algumas
concepções de cultura, o comportamento é apenas biológico, sendo a cultura
a forma como esse conjunto de fatores biológicos se apresentam nas
sociedades humanas. Em outras concepções (como onde cultura é entendida
como conjunto de ideias), cultura exclui os registros materiais dos homens
como tais da classificação (ex. um sofá ou uma mesa não seriam “cultura”)
– posição fortemente criticada por White.
- Filosofia - cultura é o conjunto de
manifestações humanas que contrastam com a natureza ou comportamento
natural. Por seu turno, em biologia uma cultura é
normalmente uma criação especial de organismos (em geral microscópicos)
para fins determinados (por exemplo: estudo de modos de vida bacterianos,
estudos microecológicos, etc.). No dia-a-dia das sociedades civilizadas
(especialmente a sociedade ocidental) e no vulgo costuma ser associada à
aquisição de conhecimentos e práticas de vida reconhecidas como melhores,
superiores, ou seja, erudição; este sentido normalmente se
associa ao que é também descrito como "alta cultura", e é empregado apenas no
singular (não existem culturas, apenas uma cultura ideal, à
qual os homens indistintamente devem se enquadrar). Dentro do contexto da
filosofia, a cultura é um conjunto de respostas para melhor satisfazer as
necessidades e os desejos humanos. Cultura é informação, isto é, um conjunto de
conhecimentos teóricos e práticos que se aprende e transmite aos
contemporâneos e aos vindouros. A cultura é o resultado dos modos como os
diversos grupos humanos foram resolvendo os seus problemas ao longo da
história. Cultura é criação. O homem não só recebe a cultura dos seus
antepassados como também cria elementos que a renovam. A cultura é um
fator de humanização. O homem só se torna homem porque vive no seio de um
grupo cultural. A cultura é um sistema de símbolos compartilhados com que
se interpreta a realidade e que conferem sentido à vida dos seres humanos.
- Antropologia - esta
ciência entende a cultura como o totalidade de padrões aprendidos e
desenvolvidos pelo ser humano. Segundo a definição pioneira de Edward Burnett Tylor,
sob a etnologia (ciência relativa especificamente
do estudo da cultura) a cultura seria "o complexo que inclui
conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e
hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade". Portanto
corresponde, neste último sentido, às formas de organização de um povo,
seus costumes e tradições transmitidas de geração para geração que, a
partir de uma vivência e tradição comum, se apresentam como a identidade
desse povo.
O uso de abstração é uma
característica do que é cultura: os elementos culturais só existem na mente das
pessoas, em seus símbolos tais como padrões artísticos e mitos. Entretanto
fala-se também em cultura material
(por analogia a cultura simbólica) quando do estudo de produtos culturais
concretos (obras de arte, escritos, ferramentas, etc.). Essa forma de cultura
(material) é preservada no tempo com mais facilidade, uma vez que a cultura
simbólica é extremamente frágil.
A principal característica da cultura é o chamado mecanismo
adaptativo: a capacidade de responder ao meio de acordo com mudança de
hábitos, mais rápida do que uma possível evolução biológica. O homem não precisou, por
exemplo, desenvolver longa pelagem e grossas camadas de gordura sob a pele para
viver em ambientes mais frios – ele simplesmente adaptou-se com o uso de roupas,
do fogo e de habitações. A evolução cultural é mais rápida do
que a biológica. No entanto, ao rejeitar a evolução biológica, o homem torna-se
dependente da cultura, pois esta age em substituição a elementos que
constituiriam o ser humano; a falta de um destes elementos (por exemplo, a
supressão de um aspecto da cultura) causaria o mesmo efeito de uma amputação ou
defeito físico, talvez ainda pior.
Além disso a cultura é também um mecanismo cumulativo. As
modificações trazidas por uma geração passam à geração seguinte, de modo que a
cultura transforma-se perdendo e incorporando aspectos mais adequados à
sobrevivência, reduzindo o esforço das novas gerações.
Um exemplo de vantagem obtida através da cultura é o desenvolvimento do
cultivo do solo, a agricultura. Com ela o
homem pôde ter maior controle sobre o fornecimento de alimentos, minimizando os
efeitos de escassez de caça ou coleta. Também pôde abandonar o nomadismo; daí a fixação em aldeamentos, cidades e estados.
A agricultura também permitiu o crescimento populacional de maneira
acentuada, que gerou novo problema: produzir alimento para uma população maior.
Desenvolvimentos técnicos – facilitados pelo maior número de mentes
pensantes – permitem que essa dificuldade seja superada, mas por sua vez
induzem a um novo aumento da população; o aumento populacional é assim causa e
consequência do avanço cultural .
Mudança Cultural
A cultura é dinâmica. Como mecanismo adaptativo e cumulativo, a cultura
sofre mudanças. Traços se perdem, outros se adicionam, em velocidades distintas
nas diferentes sociedades.
Dois mecanismos básicos permitem a mudança cultural: a invenção ou introdução de novos conceitos, e
a difusão de conceitos a partir de outras
culturas. Há também a descoberta, que é um
tipo de mudança cultural originado pela revelação de algo desconhecido pela
própria sociedade e que ela decide adotar.
A mudança acarreta normalmente em
resistência. Visto que os aspectos da vida cultural estão ligados entre si, a
alteração mínima de somente um deles pode ocasionar efeitos em todos os outros.
Modificações na maneira de produzir podem, por exemplo, interferir na escolha
de membros para o governo ou na aplicação de leis.
A resistência à mudança representa uma vantagem, no sentido de que
somente modificações realmente proveitosas, e que sejam por isso inevitáveis,
serão adotadas evitando o esforço da sociedade em adotar, e depois rejeitar um
novo conceito.
O 'ambiente' exerce um papel fundamental sobre as
mudanças culturais, embora não único: os homens mudam sua maneira de encarar o
mundo tanto por contingências ambientais quanto por transformações da consciência social.
Cultura em animais
De acordo com a definição de cultura de Tylor, o Chimpanzé é um primata que possui cultura.
É possível, na opinião de alguns cientistas, identificar uma
"espécie de cultura" em alguns animais superiores, especialmente
mamíferos (e dentro destes, especialmente primatas).
De acordo com Andrew Whiten, Kathy Schick e Nichobs Tolh, os chimpanzés
possuem um rico repertório de ferramentas (clavas, perfuradores, etc.).9 A técnica de produção de ferramentas, além de sua
forma de uso, é ensinada de geração em geração entre os chimpanzés. Algo
semelhante ocorre com os primatas Bonobos.10 A existência da produção de cultura
material e transmissão desta cultura socialmente é, dentro de algumas
concepções de cultura, suficiente para afirmar que primatas possuem cultura. No
entanto, percebem-se diferenças na forma como a cultura existe entre os
primatas. É consenso entre os antropólogos que caracterizar culturas entre
“superiores” e “inferiores” é uma impropriedade científica, já que não existem
critérios objetivos para realizar esta diferenciação. Portanto, a diferença
entre a cultura humana e a cultura dos primatas deve ser entendida em outros
termos. A grande diferença, do ponto de vista antropológico, entre essas duas
manifestações culturais, é que entre os primatas não ocorre o chamado efeito
catraca, isto é, os primatas não somam inovações tecnológicas para produzir
produtos tecnologicamente mais complexos. O processo de difusão da cultura
entre primatas ainda está sendo estudado.11 Além da produção de ferramentas, os
chimpanzés apresentam comportamentos diferentes conforme as sociedades
estudadas. O famoso “grooming”, por exemplo, é diferente de sociedade para
sociedade. É comprovado, também, que diferentes sociedades de chimpanzés
apresentam formas de vocalização únicas às suas populações.12
Referências
- ↑ (LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2006)
- ↑ a b dicionário etimológico.
- ↑ a b Norbert Elias. The Civilizing
Process.
- ↑ Kroeber, A. L. and C.
Kluckhohn, 1952. Culture: A Critical
Review of Concepts and Definitions.
- ↑ Matthew Arnold (1869).
Culture and Anarchy (em
inglês).
- ↑ A. L. Kroeber. O Conceito de Cultura em
Ciência. (1949)
- ↑ Ralph Linton. O Homem, uma introdução à
Antropologia, São Paulo, 1943
- ↑ Leslie White, O conceito de cultura (1957)
- ↑ A Whiten, Kathy
Schick, Nicholas Toth. "The evolution
and cultural transmission of percussive technology: integrating evidence
from paleoanthropology and primatology"; Journal of Human Evolution;
57:420-435.
- ↑ Andrew Whiten;
"Primate social learning, traditions and culture"; The Evolution
of Primate Societies; J Mitani, J Call, P Kappeler, R Palombit, J Silk
(ed); Chicago University Press, Chicago, USA
- ↑ A Whiten; "Social
learning in apes"; Encyclopedia of Animal Behaviour; M Breed, J Moore
(ed); Elsevier Academic Press
- ↑ Clark Spencer Larsen. Acquiring resources
and transmitting Knwoledge: got culture?.
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